Maridos e Esposas - Um sermão sobre o casamento

"Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da Igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos. Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela; Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra."(Efésios 5:22-26)

Nós vimos até agora como cada um de nós está sujeito a seus vizinhos, e que de outra forma não podemos viver uns com os outros, a não ser participando de algum dever em sinal de sujeição diante de nosso próximo. E, como isso não nos agrada, porque cada um de nós deseja estar acima de seus companheiros, e, como damos tamanha importância a essa busca por elevação pessoal que é difícil nos rebaixarmos, também constatamos que, se tememos a Deus, não devemos achar estranho o fato de sermos ordenados a nos submeter a nosso próximo, pois Deus nos criou tendo essa condição em vista. Vocês podem constatar, então, que o amor nos liga de tal maneira às demais pessoas que não devemos menosprezar nenhum homem, nem odiá-lo ou considerá-lo de tal maneira indigno que não possa ter algum serviço prestado a ele. Pois em consideração a Deus, ou nós baixamos a cabeça, ou nossa rebeldia será nossa ruína.

E agora São Paulo vai além, revelando que há ordens e categorias específicas entre os homens. Pois, embora a regra citada acima permaneça, ou seja, ordenando que todos nós nos esforcemos para cumprir nosso dever, ainda assim há uma sujeição mais elevada do que aquela existente universalmente entre todos os homens, a qual se trata, particularmente, da subordinação do filho em relação ao pai, da esposa em relação ao marido e de todos os demais subordinados aos seus superiores. Eu já vos disse antes que existe uma irmandade, mesmo entre estranhos, ligando as pessoas mais distantes da terra, porque elas são todas de uma mesma natureza, e todos os homens são obrigados a reconhecer-se em dívida uns com os outros. No entanto, quando Deus decide unir por um laço mais íntimo e santo algumas pessoas, cada homem deve olhar mais atentamente para si mesmo. Pois quando uma esposa se une ao marido, ela é dada a ele como um auxílio e faz parte do corpo dele. Além disso, trata-se de uma sujeição especial, de modo que, embora o marido possa ter posição superior em autoridade, isso não o impede de ter obrigações para com sua esposa. Pois ela é sua companheira para viver e morrer com ele.

O mesmo ocorre com os filhos em relação a seus pais, e com os pais em relação a seus filhos, cada um em seu lugar e posição, como os súditos em relação a seus príncipes e superiores e servos em relação a seus senhores. Vocês podem perceber, então, que agora nós temos de lidar com o fato de que precisamos viver cheios de amor uns pelos outros, procurando cumprir o dever que Deus nos impõe, de acordo com a nossa capacidade. Ao mesmo tempo, não devemos desprezar a ordem estabelecida por Deus entre nós, mas, antes, ser impelidos ainda mais a cumprir nosso dever neste mundo, sabendo que se recusarmos essa condição, estaremos entrando em guerra contra Deus.

E agora vamos ao casamento, o qual não se trata de algo ordenado pelos homens. Sabemos que Deus é o seu autor e que é em Seu nome que ele é celebrado. A Escritura diz que é uma aliança santa e, portanto, a chama de divina. Então, se uma esposa é extremamente teimosa e não encontra em seu coração o desejo de suportar o jugo matrimonial como uma fiel companheira, ainda que o mal que ela cause seja direcionado ao marido, é Deus quem está mais indignado. E por quê? Porque é Sua vontade que o vínculo entre os dois seja inviolável, e eis que encontra uma criatura mortal determinada a quebrá-lo e deixá-lo em pedaços! Vemos então que, ao fazê-lo, ela se coloca contra a majestade de Deus. Por outro lado, quando um homem insiste em dominar sua mulher de acordo com seu gosto e extravagância, desprezando sua esposa ou usando-a de modo cruel e tiranicamente, ele mostra que também despreza a Deus e O desafia abertamente. Pois o marido deve saber para que propósito foi criado, em que consiste o estado civil do casamento e que lei Deus estabeleceu para ele. Portanto, o que São Paulo nos convida a fazer é levar em consideração o propósito de Deus em cada estado em que nos encontrarmos. Porque enquanto nossos olhos se fixarem apenas naqueles com quem temos obrigações, é certo que sempre encontraremos inúmeras desculpas para nos eximir de toda lei.

O marido pode alegar: “eu tenho uma esposa terrível e teimosa”; ou então argumenta que ela é orgulhosa, tem um coração perverso ou até mesmo que é tagarela demais. Outra talvez seja uma bêbada, preguiçosa ou com alguma outra disposição. Em suma, não há homem que não seja capaz de apresentar algum motivo, quando não deseja manter a fidelidade e a honra do casamento, quando lhe cai bem. A esposa também, por sua vez, não ficará sem seu estoque de desculpas. Pois muitas vezes o marido pode ser iracundo e briguento, com pouca consideração por aquilo para o qual Deus os chamou. Alguns são mesquinhos e frequentam tabernas, ou até mesmo agem como perdulários, gastando todo o dinheiro em jogos e em outras práticas dissolutas. Alguns vivem na prostituição, são glutões e outros bêbados. E assim, cada mulher é capaz de simular uma desculpa para se eximir de seu dever. Mas quando chegamos diante de Deus, somos obrigados a abaixar a cabeça, pois não nos servirá de nada se agirmos como insolentes perante Ele.

Embora de um lado os homens se comportem mal, e de outro as mulheres semelhantemente, ainda assim, Deus não aceita que o vínculo do casamento seja quebrado ou destruído, exceto (afirmo) no caso específico de divórcio mencionado pelo Senhor Jesus. Mas os vícios que existem no homem não devem impedir a submissão e a obediência da esposa. Da mesma forma, embora a esposa possa não ser achada como deveria, o marido não pode abandoná-la e lavar as mãos da sua responsabilidade em relação a ela, independentemente da desculpa que apresente. Mas a ordenança de Deus deve sempre permanecer firme, e o vínculo que temos por Sua Palavra é indissolúvel, como é dito. É isso que temos de lembrar quando lemos essa passagem.

Todo mundo vê quão negligenciada é essa doutrina na prática, mas devemos considerar que a raiz do mal se encontra no fato de que, no casamento, pouquíssimos estão olhando para o Senhor. É verdade que o nome de Deus é mencionado com bastante ênfase, e mesmo os mais iníquos poderiam realmente desejar que Ele os abençoasse e os fizesse prosperar; mas, entregar-se nas mãos de Deus e permanecer debaixo de Sua direção e autoridade, invocá-lo sem fingimento - isso não faz parte do significado que o matrimônio tem para eles. Alguns buscam riqueza e ganhos pessoais, e outros prazer e voluptuosidade. Com as mulheres, o caso é semelhante. E por isso não é de admirar que o fim seja uma total confusão, quando o começo foi tão errado. Pois Deus é obrigado a ser vingado e requerer sua porção, quando é tão desprezado e desdenhado por suas criaturas. Portanto, aprendamos a observar bem a doutrina ensinada por São Paulo: pois, assim como o casamento foi ordenado por Deus, aqueles que nele ingressam devem se voltar totalmente para o Senhor e fazer Dele seu refúgio, sabendo que é Ele quem une marido e mulher, um ao outro, selando essa ligação; e, portanto, cada um deles deve prestar atenção aos seus respectivos deveres.

Quando São Paulo diz a respeito das esposas que elas devem se sujeitar a seus maridos, devemos observar que essa sujeição é dupla. Pois o homem já era a cabeça da mulher antes mesmo do pecado e da queda de Eva e Adão. (1 Tm. 2:13) E São Paulo, usando a mesma razão para mostrar que não é apropriado que a esposa governe em igualdade de condição com o marido, diz que o homem não veio da mulher, mas a mulher do homem, e que ela faz parte do corpo dele. Pois Deus poderia ter criado Eva da terra, como fez com Adão. Mas essa não era a vontade Dele. Antes, Ele uniu o homem e a mulher de tal maneira que o homem, sabendo que sua esposa era como sua própria substância e carne, fosse induzido a amá-la (como veremos mais adiante); e que a esposa, conhecendo de si mesma, que não é como que inteiramente independente, mas unida ao homem, suporte sua submissão pacientemente e com uma afeição voluntária. Pois, se a mão, sendo membro do corpo, recusar-se a ficar em seu próprio lugar e insistir em se acomodar no topo da cabeça, que coisa estranha seria! Então, se olharmos para trás e vislumbrarmos a criação deles e da mulher, o marido, por sua vez, deve ser induzido a amar e honrar sua esposa como a si próprio; e a esposa, vendo que ela foi tirada da constituição do homem, deve se submeter pacificamente a ele, como seu cabeça.

Mas há também outro vínculo que reforça essa submissão da esposa, pois sabemos que ela foi enganada. (Gn. 3; 6; 1 Tm. 2:14) As mulheres, portanto, devem lembrar que, estando sujeitas a seus maridos, recebem o salário do pecado de Eva. E ambos devem considerar que, se o casamento tivesse permanecido sadio e sem corrupção, não haveria nada além de felicidade para os homens e suas esposas. Pois sabemos que todos foram abençoados por Deus, e não havia nada que não pudesse ser transformado em gozo e alegria. Mas agora, embora as bênçãos de Deus brilhem em todos os lugares, tanto acima como debaixo do sol, há sempre sinais de maldição impressos neles, de modo que não podemos contemplar o céu ou a terra ou toda a gama de criaturas, sem perceber parcialmente que Deus se tornou um estranho para nós, porque nosso pai Adão caiu e foi arrancado daquele estado nobre e excelente no qual ele foi originalmente criado.

Isso pode ser visto em todos os lugares e em todas as coisas, especialmente no casamento. Pois convém às mulheres sentir o fruto de seus pecados, e aos homens também, em abundância, recebendo, assim, sua parte da condenação. Pois é certo que se Eva e Adão tivessem permanecido na justiça que Deus lhes concedera, todo o estado dessa vida terrestre teria sido como um paraíso, e o casamento seria tão bem ordenado que marido e mulher se uniriam em harmonia semelhante à que vemos entre os anjos no paraíso. Entre eles, não há nada além de paz e fraternidade, e o mesmo seria conosco. Portanto, quando agora um homem possuir uma esposa dura e terrível, a quem ele não consegue de forma alguma conduzir, façam com que ele esteja ciente e venha a dizer: aqui estão os frutos do pecado original e também da corrupção que existe em mim mesmo. E a esposa também, semelhantemente, deve pensar: Há boas razões para eu receber o pagamento pela minha desobediência a Deus, porque não me humilhei diante Dele. Há tanto para se ver no que diz respeito à palavra de submissão estabelecida aqui.

Agora, Paulo, ao usar a expressão “como ao Senhor”, não quer dizer que os homens sejam semelhantes a Deus ou a nosso Senhor Jesus Cristo, pois isso seria uma afirmação extremamente descabida, mas ele mostra que o respeito e a reverência que uma mulher deve a Deus, e a submissão que ela deve ao marido são dois pontos inseparáveis. Da mesma forma como quando nos exortou antes a nos unirmos em uma sujeição mútua, ele acrescentou a palavra: “no temor de Deus”. (Ef. 5:21) E por quê? Porque se aparentamos honrar a Deus e obedecê-Lo, e ao mesmo tempo rejeitamos e desprezamos nossos vizinhos, com o objetivo claro de nos esconder e nos eximir de todas as leis e regras, tal postura é nojenta demais e constitui pura hipocrisia. Também se uma esposa finge uma grande devoção; se ela parece estar completamente firmada no temor de Deus, e ao mesmo tempo é uma verdadeira Proserpina (na Mitologia Grega, se trata da rainha das regiões infernais, esposa de Plutão. Sua mãe era Ceres e seu pai era Júpiter. É possível que com essa menção Calvino se refira também à natureza mutável da experiência existencial da deusa, vivendo a metade do ano no submundo e a outra metade na superfície). De tal maneira que não há nada além de xingamentos, brigas, contendas e coisas semelhantes em sua casa entre ela e sua família, mostrando, com suas ações, que não possui uma centelha do temor a Deus, já que rejeita o marido, que é seu cabeça e, por assim dizer, sacerdote de Deus a esse respeito.

Portanto, note que São Paulo não usou essa semelhança para ligar em pé de igualdade os maridos (que são criaturas mortais, e não mais que pobres vermes sobre a terra) a Jesus Cristo, mas para mostrar brevemente que, já que nosso Senhor Jesus preside o casamento, os homens devem ter seus olhos Nele, e assim cada pessoa se submete pacientemente, visto que ninguém pode recusar sua parte sem desprezar Aquele que deseja que o casamento seja mantido como um vínculo de dever mútuo, para que o homem possa amar a sua esposa e a esposa estar sujeita ao seu marido. Isso é, em suma, o que temos que lembrar nessa passagem.

Agora, então, permitam que as esposas olhem bem para sua função e compreendam que quando rivalizam com seus Maridos, é como se rejeitassem a Deus, porque (como eu já disse) Ele não as criou senão para essa finalidade e condição, para que estejam sujeitas a seus maridos. É verdade que muitas agirão de forma tão orgulhosa e arrogante a ponto de dizer: “Meu marido deve ter autoridade sobre mim?” Mas nisso tal mulher demonstra que não está disposta a permitir que Deus tenha qualquer superioridade sobre ela e que gostaria de jogar para debaixo do tapete a lei de Deus acima mencionada. No entanto, como não há outro remédio, senão este, as mulheres precisam se humilhar e entender que a ruína e a confusão de toda a raça humana surgiram da parte que lhes cabia no Éden, de modo que todos nós estamos perdidos, amaldiçoados e banidos do reino dos céus. Quando as mulheres (afirmo) entendem que isso veio das ações de Eva e do sexo feminino (como São Paulo nos diz em 1 Tim. 2:14), não há outra atitude para elas senão agir de forma humilde e suportar pacientemente a submissão que Deus lhes impôs, que nada mais é do que um aviso para se manterem discretas e modestas. Mas se elas se levantam contra seus maridos e não conseguem encontrar prazer em serem conduzidas por eles, é como se fossem, por assim dizer, colocados outros selos no pecado de Adão e Eva e na desobediência cometida por eles, sendo esta uma declaração de que essas mulheres não estão dispostas a permitir que Deus cure a ferida, apesar do fato de ela ser mortal. Agora, quando fazem guerra contra a graça de Deus, o que pode resultar disso, senão o caos absoluto? Mas as esposas obstinadas não pensam nisso, porém, ainda assim, está tudo registrado diante de Deus, e terão de prestar contas disso para sua total confusão. Devemos, portanto, prestar maior atenção a esse aviso, para que todos possam glorificar a Deus em suas próprias casas.

Também devemos fazer com que os maridos pensem em seu dever. Pois (falando de maneira adequada) embora eles não estejam sujeitos a suas esposas, porque suas esposas não têm autoridade sobre eles, no entanto, são promovidos a essa honra de superioridade sob uma determinada condição, a saber, que não sejam cruéis com suas esposas, ou achem que tudo que lhes agradar é permitido e lícito, pois sua autoridade deve ser, antes, uma manifestação de companheirismo do que uma realeza. Pois não há dúvida de que o marido não é a cabeça de sua esposa para oprimi-la ou fazer pouco caso dela. Mas ele deve entender que a autoridade que ele tem o coloca mais ainda sob obrigação para com ela. Por ser ele o cabeça, precisa ter discrição em si mesmo para guiar sua esposa e sua família. E como fará isso acontecer, senão usando de bondade e brandura, auxiliando discretamente sua esposa no que diz respeito às fragilidades que ele sabe que ela possui, assim como São Pedro nos adverte? (1 Pe 3: 7)Você vê, então, que os maridos devem exigir obediência de suas esposas, quando ao mesmo tempo eles mesmos também devem cumprir seus deveres; que possam considerar o fato de que não serão mantidos diante de Deus, se derem ocasião a suas esposas para se levantarem contra eles. Pois é certo que, se um marido se comporta discretamente e com integridade, a sua esposa se submeterá a ele e nosso Senhor inclinará tanto o coração dela, tornando-o disposto, que a casa inteira será pacífica.

Agora, o mais importante é que, em primeiro lugar, Deus seja invocado. Pois, embora um homem possa usar todos os meios possíveis, ainda que confie em seu próprio entendimento, apesar disso, tudo que conseguirá é desperdiçar o seu tempo. E por quê? Porque Deus acabará rindo dessa sua presunção em desprezar Sua direção. No entanto, se os maridos consideram que Deus tem o coração das pessoas em Suas mãos e os inclina como bem entender, e, consequentemente, orarem ao Senhor para receber Dele graça e poder para conquistar suas esposas, de modo que elas possam concordar com eles e se submeter às suas decisões, então perceberão que Deus trabalha a favor deles. Mas o que se observa frequentemente é que os homens tratam rudemente suas esposas e pensam em conquistá-las através de um comportamento terrível, de modo que não hesitam em ferir seus corpos e, às vezes, até levá-las a sangrar. São carrascos que tornarão a vida de suas esposas um inferno; e ainda assim eles levantam suas vozes para alegar que Deus lhes concedeu superioridade. Mas certamente não é essa uma superioridade diabólica, que só serve para transformar homens em bestas brutais, mas pelo contrário: essa posição foi dada com o intuito de guiá-los a um governo e a uma ordem benéfica.

As mulheres, por sua vez, endurecem na maior parte do tempo. E quando se casam, nunca dão atenção às coisas que Deus mostra e ensina por meio de Sua palavra. Dificilmente uma pessoa encontrará uma moça dentre cem que ora a Deus pedindo orientação para entrar em um casamento. É bem verdade que escutam bastante isso sendo repetido, que o marido deve ser o chefe. Muito bem (elas dizem), é verdade que quando eu tiver um marido, ele estará acima de mim, pois assim é o costume do mundo e eu devo apoiá-lo. Mas, ao mesmo tempo, haverá tal presunção, ou melhor, tamanha arrogância diabólica nelas, que poderiam imaginar em seus corações até mesmo Deus sendo arrancado de Seu trono, e desejariam apagar tudo isso que estamos lendo agora, com o fim de não estarem mais sujeitas. E ainda conspiram entre si, dizendo: ‘Oh, eu garanto que vou sustentar minha opinião, e se meu marido se comportar mal comigo, mostrarei a ele que não me importo com o que ele faz. Depois que eu me opor a ele por alguns dias, ele descobrirá que está perdendo tempo e terá de desistir e me deixar em paz.’ É dessa maneira (digo), que as mulheres começam a ser donas de casa, de modo que um homem dificilmente encontrará uma entre cem que não tenha essa mentalidade e não tenha chegado a essa conclusão.

O marido, por sua vez, pensa assim: Oh, deixe essas questões para mim, vou me sair bem o suficiente, ele fala como se fosse Deus, que nos ensinou que há um outro tipo de sabedoria a ser empregada nesse assunto. O caminho para os homens ganharem suas esposas não é se aproximar delas com dureza e agir como loucos, ou mesmo usar de tirania para com elas. Nada disso será de alguma utilidade. E, no entanto, os maridos se consideram tão sábios em seu próprio conceito de autoridade que esperam intimidar suas esposas com um olhar severo. Em resumo, eles contendem dessa maneira e, ao mesmo tempo, roubam a Deus, como se o Senhor não tivesse reservado algo para Si mesmo, através do qual possa nos ensinar a recorrer a Ele, orando para o Pai tornar mansos os corações das esposas, curvando-os à obediência e à humildade.

Por esse motivo, devemos nos lembrar melhor da lição que é revelada aqui. E pela mesma razão, São Paulo usa a comparação com nosso Senhor Jesus Cristo, aplicando tanto de um lado como do outro. Pois ele mostra às mulheres que é para o benefício delas se manterem sujeitas aos seus maridos. E por quê? Vamos considerar o estado espiritual da Igreja. Quão miserável seria nosso estado se fôssemos separados de nosso Senhor Jesus Cristo! Pois assim seríamos roubados de toda esperança de vida eterna e de todos os benefícios de Deus. E embora tenhamos desfrutado de muitos dons neste mundo, todos eles seriam convertidos em mal, se não fôssemos membros de nosso Senhor Jesus Cristo. Em resumo, sem o filho de Deus, não há nada além de separação aqui abaixo. Pois Ele foi enviado exatamente para esse estado de coisas, para reunir tudo o que havia sido disperso anteriormente, de modo que toda a nossa felicidade, alegria e descanso reside em termos Jesus Cristo para nos presidir e governar.

Agora, então, deve haver uma correspondência aqui em relação ao casamento. As mulheres devem entender que, como o casamento é uma imagem viva da união espiritual entre nós e o Filho de Deus, é também para o benefício delas permanecer sob a autoridade do marido e render-lhe obediência. Isso será muito mais benéfico para elas do que se tivessem a liberdade de governar a si mesmas e fazer o que bem entenderem sem restrições. É verdade que elas não podem conceber isso, mas quem será mais sábio no final das contas, Deus ou as mulheres? Se elas insistem em responder que seria melhor que não se sujeitassem a seus maridos, enquanto Deus, por tudo que ordenou contrário a isso, mesmo para bem-estar delas, declarou e sentenciou que assim é, elas por acaso imaginam que terão vantagem quando tiverem de argumentar contra o próprio Deus?

Vocês veem então como Jesus Cristo é colocado como o Salvador do corpo, para que as esposas saibam que Deus providenciou o melhor para suas necessidades do que elas mesmas poderiam fazer por si. Quando tiverem ponderado cuidadosamente sobre o assunto, discutido e reunido todas as razões possíveis, ainda assim, é certo que não saberão tão bem o que é o melhor para suas vidas, como Deus sabe, O qual as submeteu a seus maridos. É de fato para seu bem-estar que assim seja, a fim de que elas possam se manter, o que de outra forma não seria possível.

No entanto, São Paulo também apresenta nosso Senhor Jesus Cristo aos maridos, para que eles não abusem da autoridade que lhes é concedida por Deus, destruindo a amizade que deve ser mantida dentro do casamento por agirem de forma tão cruel, como é seu costume. E o que ele estabelece sobre nosso Senhor Jesus Cristo é o seguinte: De que maneira Ele amou sua Igreja? Antes de mais nada, e principalmente, Ele se entregou por ela; Ele não se poupou quando se revestiu de carne como homem. É verdade que todo poder e domínio lhe foram concedidos, de modo que todos os joelhos se dobram diante Dele (como diz São Paulo aos Filipenses, capítulo 2, verso 10), e todos nós, grandes e pequenos, devemos prestar-lhe homenagem. No entanto, o que Ele fez por sua igreja? Ele se agradou em reinar de maneira a exercer uma tirania sobre nós? Não! Pelo contrário, Ele se humilhou e, embora tenha poder soberano sobre os anjos do paraíso, se submeteu à lei; Ele foi chamado de servo e foi totalmente esvaziado por nossa causa. (Fl. 2: 7; Gl. 4: 4)

Agora, quando vemos que Deus nutre por nós um amor tão inestimável em nosso Senhor Jesus Cristo, O qual se colocou na pessoa de um marido e garantiu que seríamos como uma esposa para Ele — quando olhamos para isso, pergunto, deveríamos nós, os maridos, não sendo nada além de vermes rastejantes da terra e algo que nada é, nos recusar a seguir o exemplo do Filho de Deus, que não levou em conta Sua própria glória e majestade celestial, a fim de se rebaixar por nós? Portanto, isso basta para amolecer os corações, tanto de um lado como do outro, se não houver uma tão má selvageria, ou pior, se não houver uma perversidade cruel em ambos, tanto nos homens como nas mulheres. Por considerar que nosso Senhor Jesus Cristo se humilhou tanto pelo amor que tem por nós, que não somos nada além de podridão e uma coisa sem valor, e considerando que Ele nos disse que nada é melhor do que as esposas estarem sujeitas a seus maridos, e os maridos apoiarem suas esposas — se isso não os comove, é um sinal de que eles têm um grau de orgulho completamente brutal, ou pior, que não há entendimento nem juízo neles. Pois se houvesse uma gota de prudência, certamente o que São Paulo nos diz aqui nos levaria a corrigir todas as coisas que impedem o cumprimento de nossos deveres, tanto do marido quanto da mulher. E se isso fosse cuidadosamente atendido, é certo que os homens teriam muito mais paz em suas casas do que eles têm agora. E maridos e esposas não seriam como cães e gatos mordendo um ao outro. Mas o mal é que não vemos o temor de Deus entre eles. Não devem os homens, de dia e de noite,  trazer à mente a graça que nos foi revelada na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo? E quando todos juntos tiverem refletido bastante sobre isso e se decidido, os homens casados ​​também devem considerar: por que Deus se mostrou tão amoroso, gentil e comovente[1] para comigo? Vendo que Ele elevou o meu ser a tal posição de dignidade, é uma boa razão para eu me amoldar a Ele. E agora o Senhor deseja que eu me comporte em relação à minha esposa da mesma forma que Jesus Cristo se comportou em relação a mim. Isso não é suficiente para partir corações tão duros quanto pedras, sim, e até mesmo o aço? Sim, certamente!

Da mesma forma, se as mulheres tivessem consciência de sua redenção e salvação, então seus corações duros se tornariam brandos e não ficariam mais insensíveis agindo com teimosia, mas se submeteriam ao jugo de nosso Senhor Jesus Cristo, para se tornarem participantes do benefício que Ele lhes comprou com Sua morte e paixão. Vemos então que, quando a graça de nosso Senhor Jesus Cristo é pregada, a maior parte dos homens nada lucra com isso, porque eles a abandonam no decorrer de suas vidas.

E, nessa passagem, temos de observar ainda que, embora os maridos sejam obstinados e as esposas difíceis de governar, e de fato incorrigíveis, isso não é uma desculpa para eximir os maridos ou as esposas de cumprirem seus deveres. Por exemplo, pode ser que um marido afirme possuir uma esposa doce e agradável (como falei antes); ele, por sua vez, poderia apoiá-la sem dificuldades, e ela passaria por momentos maravilhosos ao lado dele. Mas talvez outro homem alegue que sua esposa é uma bêbada ou comilona, e outro que sua mulher é dada ao luxo e à extravagância, de modo que todo dinheiro no qual ela põe as mãos só é usado para uma coisa: vestir-se e adornar-se; e ainda outro argumenta que sua esposa é preguiçosa e não faz nada. Bem, essas coisas podem ter algum peso para os homens. De fato (como eu disse antes), se o assunto dissesse respeito apenas às duas partes, cada uma delas teria sua defesa em mãos, para lançar fora o jugo que as une. Mas nesse caso o marido deve pensar: eu tenho uma esposa indisposta, alguém de cabeça dura ou alguém que não possui qualidades agradáveis ​​nem qualquer cuidado com a casa; em relação à minha parte, como devo me comportar, não apenas nesses assuntos mundanos, mas também em relação a Deus?

Quando o marido tiver considerado e examinado minuciosamente suas próprias falhas, ele não terá mais argumentos, e, assim, deverá suportar pacientemente as falhas de sua esposa, até que Deus lhe dê a graça de corrigi-las. Enquanto isso, aconteça o que acontecer, não deixe de agir como marido, aplicando-se aos interesses de sua esposa, para conquistá-la para Deus. Pois o marido não foi colocado em uma posição de superioridade por outro motivo senão para o benefício e bem-estar de sua companheira de jugo. E como é uma lei inviolável, o mesmo argumento também deve convencer as mulheres. Se uma esposa tem um marido bêbado e um frequentador de tabernas, outra tem um jogador compulsivo, um desperdiçador, outra tem de lidar com um sujeito debochado e dissoluto, e outra com um homem terrível que nunca está em paz com ela, de modo que faça ela o que for para obedecê-lo e agradá-lo, ainda assim nunca consegue obter paz ou boa vontade; que essa mulher considere o seguinte: Este é o flagelo de Deus sobre mim, pois não fui o que deveria ser ao obedecer o meu Deus e a me submeter a toda a sua vontade. Como tenho me aplicado a servi-lo e honrá-Lo? Como me desobriguei das responsabilidades que Ele colocou sobre mim?

Que a esposa pense dessa maneira sobre essas coisas e conclua que, não importa o que aconteça, não é certo que criaturas mortais rompam o vínculo pelo qual Deus nos uniu, pois isso seria como lutar contra Ele. Portanto, devo me submeter àquele que é meu cabeça. E embora ele possa ser terrível, é necessário que eu esteja sujeita ao meu Deus, que tem o coração de meu marido em suas mãos, e pode amolecê-lo quando bem entender. E não devo dar ocasião a ele de me fustigar com a vara com o intuito de vencer minha teimosia, pois assim Deus ficaria aborrecido com ele e comigo. Portanto, as falhas da esposa não podem eximir o marido de manter a lei inviolável que Deus ordenou, isto é, que os dois devam viver juntos em comum acordo. Do mesmo modo, as faltas do marido não dispensam a esposa de se submeter a ele e obedecê-lo em todas as coisas com respeito a Deus, como é dito por São Paulo sobre o assunto.

Agora, Paulo, para confirmar melhor essa exortação, declara como nosso Senhor Jesus Cristo é o Salvador de todo o corpo, a saber, porque Ele se entregou pela Igreja para “santificá-la”. Certamente essa doutrina não pode ser tratada agora de maneira completa. Não obstante, temos de observar em poucas palavras que aqui São Paulo mostra com mais detalhes o que ele havia mencionado antes, a saber, que o marido e a esposa sempre podem refrear seus sentimentos perversos e que, quando são tentados a Se divorciar um do outro, ou a ficar indignados um com o outro, o caminho certo para subjugar todas as paixões iníquas é prestar atenção à promessa de união espiritual entre nosso Senhor Jesus Cristo e nós, de que falaremos mais plenamente depois.

Antes de tudo, devemos considerar que nosso Senhor Jesus Cristo Se entregou por nós, e isso tem início com Sua obra redentora. Devemos, portanto, manter essa palavra até o fim, aguardando para entender com mais clareza o restante desse ensino em seguida. Pois sob essa palavra nos é revelado primeiramente que nosso Senhor Jesus Cristo era (por assim dizer), indiferente a Si mesmo, e não considerou Sua própria pessoa, quando teve por objetivo nossa salvação. É verdade que Ele nos foi enviado por Deus, e que (como é dito no terceiro capítulo de São João, verso 16), “amou o mundo de tal maneira que não poupou Seu único Filho, mas O entregou à morte por nós”. Não obstante, nosso Senhor Jesus Cristo também se entregou por nós. “Ninguém tira a minha vida de mim (Ele diz), mas Eu de mim mesmo a dou. (João 10:18). Porque era necessário que o sacrifício que Ele ofereceu para a remissão de nossos pecados fosse voluntário. Você percebe então que Jesus Cristo de fato se entregou à morte. E se perguntarmos o motivo, certamente foi primeiro para cumprir a vontade e o conselho eterno de Deus, Seu Pai. Não obstante, como Deus Pai tinha por objetivo a salvação dos homens, Jesus Cristo nos revelou como somos amados por Deus e quão preciosas nossas almas são à sua vista, pois o Senhor se dignou a se entregar por nós dessa maneira.

Agora, então, é conveniente que os maridos considerem bem o dever que lhes é imposto em relação a suas esposas, o qual se constitui no seguinte: que os homens amem suas esposas na mesma proporção em que, no mínimo, são capazes de amar suas próprias vidas. Ainda assim, no entanto, eles não alcançarão a perfeição de nosso Senhor Jesus Cristo, mas seguirão Seus passos nessa grande caminhada. E as esposas também devem considerar isso: uma vez que é da vontade de Deus que no matrimônio deva haver, por assim dizer, uma imagem da graça conferida à humanidade por nosso Senhor Jesus Cristo, elas serão muito ingratas se não se submeterem àquela vocação para a qual Deus as chamou. Ao mesmo tempo, devemos considerar que São Paulo buscava exaltar a bondade de Deus para conosco e o amor que Jesus Cristo nos conferiu ao afirmar que o Senhor se entregou por nós. Portanto, reconheçamos que isso veio da graciosa misericórdia de Deus, Seu Pai, e que possamos perceber que nosso Senhor Jesus Cristo não atentou senão para a nossa condição de miséria quando se mostrou tão piedoso em nos socorrer.

Se mantivermos essas coisas em mente, seremos levados a cumprir nosso dever sem contestar. Pois seremos também inflamados de tal maneira a glorificar nosso Deus e a reconhecer o quanto devemos a Ele, tanto através de nossas palavras, quanto por meio de toda a nossa vida, visto que derramou sobre nós os tesouros de Sua misericórdia, de modo que não apenas nos libertou da condenação em que estávamos, nos tirando da morte, mas também se comprometeu a nos dar Seu amado Filho como penhor de Seu amor. E assim, Jesus Cristo tomou sobre Si essa incumbência de ser o penhor e o resgate por nossas almas, a fim de nos absolver diante de Deus, para que o diabo também não tenha do que nos acusar, uma vez que é nosso adversário e estamos sujeitos a ele, até que sejamos libertos de toda essa escravidão por meio desse Redentor.

Agora vamos cair de joelhos diante da majestade de nosso bom Deus, reconhecendo nossas falhas, orando para que Ele nos torne capazes de identificá-las mais e mais, para pedirmos perdão, e sermos transformados a cada dia, corrigindo nossos pecados. Assim, recebendo os benefícios da doutrina da salvação, que nossa vida possa sempre ser modelada de acordo com a lei Dele, segundo a medida de graça que Dele recebemos. E assim digamos todos: Deus Todo-Poderoso, Pai Celestial.

 


[1] Comovente foi o termo escolhido para manter a fidelidade da tradução sem apresentar qualquer visão distorcida da glória e majestade de Deus, a qual a equipe está comprometida em exaltar. Uma vez que tal adjetivo define alguém capaz de despertar fortes sentimentos em outra pessoa, não houve qualquer prejuízo ao sentido original do termo. O vocábulo utilizado pelo reformador Calvino no seu sermão em francês foi “pitoyable”, que descreve uma pessoa que provoca piedade em outra. É provável que tal palavra tenha sido empregada de modo a trazer à mente dos ouvintes a imagem chocante de Cristo em seu martírio, se entregando ao sofrimento e à morte por amor à Igreja.

 

João Calvino
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